Intervenção do eleito municipal Joaquim Teixeira, na Sessão Solene evocativa do 25 de Abril.
No dia 25 de Abril de 74, estava eu no nordeste da Guiné e como as notícias demoravam a chegar, aquele dia foi, para todos nós, igual a todos os outros. No início da madrugada de 26, estando de serviço na condição de radiotelegrafista e tendo em conta o pouco transito, sintonizei, num rádio antigo que estava fora de serviço, a emissora nacional, coisa que fazíamos todos quando no turno da noite. No início, comecei por estranhar o tipo de música, Zeca Afonso, Sérgio Godinho e outros, até à uma hora, altura em que davam o noticiário. Aí começou tudo! Dois colegas meus, saíram disparados a dar a notícia e em poucos minutos, ninguém dormia naquele quartel e toda a gente se plantou à porta do posto de rádio, esperando a confirmação do “boato”. Não foi preciso esperar muito para ouvir um comunicado do Movimento das forças armadas, relatando o evoluir da situação que todos conhecem.
Primeiro a surpresa, depois a explosão e os gritos de viva a liberdade e acabou a guerra! Depois de assimilar o que tinha acontecido, várias esperanças nasceram. A primeira tinha a ver com o fim da guerra colonial na qual morreram milhares, muitos deles, ainda hoje, esquecidos e abandonados em África. Grande parte dos que regressaram, ainda sente os traumas causados por essa guerra.
Quando, passados quatro meses, cheguei à “Metrópole”, vi um país transfigurado e um povo que procurava o caminho mais curto para recuperar o atraso em que o tinham deixado, não só a ditadura, mas séculos e séculos de obscurantismo. No meio de toda esta transformação, nem sempre através dos meios mais correctos, havia um poeta que cantava: Só há liberdade a sério, quando houver paz, pão, habitação, saúde e educação. É isso, pensava eu e como eu, pensavam muitos mais a quem me juntei no sentido de dar corpo ao ideal.
Fez-se a constituição, realizaram-se as eleições legislativas e por fim, as autárquicas. Com mais ou menos turbulência, os órgãos democráticos estavam instalados e Portugal tinha todas as condições para recuperar o terreno perdido. O fim da guerra, o salário mínimo nacional, o serviço nacional de saúde, as campanhas de alfabetização, a habitação social, formava a base de apoio que dava aos idealistas a esperança de um país melhor.
O sonho porém, durou cerca de uma década. Aprendemos e cada vez mais sentimos na pele que na mira de um sonhador, há sempre um reaccionário, alguém que se sente com mais direitos e direito a mais que os outros e usa de todas as artimanhas, lícitas ou ilícitas para o conseguir. Em meados dos anos oitenta, coincidindo com a entrada de Portugal na, então CEE, chega ao poder aquele que foi um dos coveiros dos ideais de Abril, sucedendo aos que tinham metido o socialismo na gaveta. Apresenta-se ao povo como um Dom Sebastião e, aproveitando o que alguns definiam como carradas de dinheiro, vindo da Europa, há que fartar vilanagem.
Cimento e asfalto, aqui vamos nós. Foi a época de ouro para alguns, empreiteiros e subempreiteiros construíam a torto e a direito. Nas últimas décadas assistimos à degradação da sociedade em todos os aspectos. Submetendo-se aos grandes interesses internacionais, deteriora-se o aparelho produtivo. Abandona-se a agricultura e a pouca que resta vai servindo para alguns tirarem as fotografias com que enganam o povo. Boa parte daquele que era chamado o celeiro de Portugal, transforma-se em coutadas de caça. Nas pescas, estamos ao nível de qualquer país do terceiro mundo, qualquer dia nem temos capacidade para pescar uma faneca.
Entrou-se na loucura das privatizações! Para os apologistas deste modelo de sociedade, não há meios-termos: Basta uma pequena expectativa de lucro e, como abutres, aparecem de todo o lado exigindo privatização. Privilegiando este modelo de governação em que se louva aquele que consegue levar um processo até à prescrição ou o que arranja sempre um sobrinho, um compadre ou um cunhado para disfarçar desvios de toda a ordem, o resultado está à vista: Trinta e seis anos depois de Abril, não temos um modelo de educação, porque ao invés de investir num sistema público, fomenta o ensino privado elitista e discriminatório.
O S.N.S. desgasta-se e desqualifica-se continuamente, enquanto clínicas e hospitais privados aparecem por todo o lado. Entre desempregados, precários e falsos recibos verdes, conta-se mais de um milhão de trabalhadores. Pobres ou no limiar da pobreza, são mais de dois milhões e devia fazer corar de vergonha quem advoga este modelo de sociedade. Perante a denúncia de todos estes problemas, dos responsáveis e seus cúmplices, estes argumentam com sectários, radicais, inimigos da iniciativa privada e outros adjectivos. Argumentos sem fundamento uma vez que a iniciativa privada, enquanto honesta e cumpridora das suas obrigações, não é o alvo destas denúncias.
O cancro da nossa sociedade está no corporativismo que se monta para dar a alguns aquilo que é de todos. Os responsáveis por esta situação, cúmplices dessas autenticas aves de rapina que volteiam sobre tudo o que cheira a lucro, a história não os esquecerá. Hão-de ser lembrados como vampiros, que passaram a vida a sugar aquilo que o povo tem de mais valioso: A sua dignidade!
Resta-nos a esperança de que as gerações futuras, libertas do medo e do obscurantismo, aprendam a respirar liberdade e, sendo ele empresário, governante ou operário, olhe para o seu vizinho com o respeito que lhe é devido.
Viva o 25 de Abril!
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